domingo, 25 de outubro de 2009

A SOCIEDADE DOS CUPINS E OUTROS BICHOS MAIS




Outro dia li um texto primoroso de um filósofo e professor que de forma magistral discorreu sobre a sociedade dos cupins, chamando atenção para a capacidade dos pequenos insetos no tocante a disciplina, a persistência e a constância com que se desprendem em suas atividades, acorrentados em uma programação instintiva, uma característica dos seres irracionais.

O filósofo acrescenta ainda que tais seres são dotados de inteligência concreta, o que faz com que vivam ‘colados’ à matéria e a ela limitados e finaliza, após comparação com a racionalidade dos seres humanos (dotados de uma inteligência simbólica/abstrata), mostrando que deveríamos seguir o exemplo desses animaizinhos, aplicando em nossas vidas a disciplina, persistência e a constância para alcançar nossos objetivos.

Pois bem. Após a leitura da crônica do nobre professor, fui dormir com a cabeça cheia de cupins, quando eles se foram e quase estava pegando no sono (percebi que os cupins tinham criado asas), comecei novamente a matutar sobre as diferenças entre o homem e os diminutos irracionais. O primeiro mata por prazer, o segundo por necessidade; o primeiro é suicida, se auto-destrói, o segundo, dominado pelo ‘instinto’ procura preservar-se... e por aí fui fazendo uma lista quase que interminável de comparações.

Descobri uma comparação bastante perspicaz na relação dos cupins (como também vários outros irracionais que vivem em colônias heteromorfas* como as abelhas, as formigas, etc.), suas persistências e constâncias, tem como objetivo a vida da coletividade, do grupo (talvez por serem pequeninos aprimoraram seu ‘instinto’ de viver harmonicamente em grupo, preservando-o como uma questão de vida ou morte), ao contrário do homem, o princípio e o fim em sí mesmo, acabou por se tornar extremamente individualista, contaminando e lutando para extinguir a coletividade (talvez por se acharem grandes, chegaram a luz da ‘razão’ de que é melhor ser parasita/amensalista** do que mutualista*** tudo pela mesquinhez de seu individualismo extrapolado).

Temos sim que mirar no exemplo das pequenas criaturas, até porque é essa percepção aguçada que pode fazer a diferença, colocando-nos ‘de direito e de fato’ no ápice da pirâmide. Quanto à constância, graças que não a temos, uma vez que a entropia**** do mundo nos exige a todo o momento adaptações e, portanto, inconstantes ações.

É nessa capacidade de encarar a inconteste modificação do meio (sempre em mutação), que está a característica impar do ‘bicho homem’, e aonde pode residir a esperança de nossa existência...

Deixo aqui alguns fragmentos que restaram do meu chará da extinta Éfeso, nos idos de 450 a.C., para uma reflexão mais aprofundada:

“Um homem não pode entrar duas vezes num mesmo rio.”(frag.91,12) e ainda, “Ónous sýrmat’àn helésthai mãllon è khrysón” – asnos apanham antes a palha que o ouro (frag. 9).*****


* As sociedades heteromorfas ou regulares são compostas por indivíduos com diferenças morfológicas e divisão de trabalho bem específica.

** Parasitismo é uma relação desarmônica entre seres de espécies diferentes e O amensalismo ou antibiose consiste numa relação desarmônica em que indivíduos de uma população secretam ou expelem substâncias que inibem ou impedem o desenvolvimento de indivíduos de populações de outras espécies.

*** A simbiose ou mutualismo é uma relação entre indivíduos de espécies diferentes, onde as duas espécies envolvidas são beneficiadas e a associação é obrigatória para a sobrevivência de ambas.

**** Grosso modo é uma lei física da termodinâmica que explica e calcula a constante mudança dos corpos (sempre em expansão), que é utilizada pelo autor em seu livro “O conflito entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental” para denominar a constante transformação e modificação do nosso meio ambiente.

***** Os pensadores – Pré-socráticos; Heráclito de Éfeso; Abril Cultural, 1978; ps. 73-136.